sobre a fé



[...]

Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele.
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
com o modo de falar que reparar para elas ensina)

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E sol e luar e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.

E por isso eu obedeço-lhe
(Que sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
Obedeço-lhe a viver espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e àrvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda hora.


Fernando Pessoa - Alberto Caeiro

O guardador de rebanhos V