e o novo aponta em uma vida



os antigos amigos passavam a companheiros que se haviam atrasado no caminho, e ele não se sentia mais, em sua escola e em sua cidade, no meio de semelhantes e no lugar adequado, porém isso se embebera de uma morte furtiva, de um fluído de irrealidade, um odor de coisa parada, tornara-se uma situação provisória, um traje usado que já não combinava com nada mais. E essa emancipação de uma pátria até então harmônica e amada, esse despojar-se de uma forma de vida que não mais lhe pertencia, e lhe era inadequada, essa vida de alguém que se despede, que recebeu um apelo exterior, com horas de extrema ventura e de radiante consciência de si próprio, resultou em um enorme suplício, uma opressão e um sofrimento quase insuportáveis; ele sentia que tudo o abandonava, sem ter a certeza de de que fosse ele mesmo quem tudo abandonava, talvez o próprio culpado desse falecer, desse alheamento a seu amado mundo habitual, por sua ambição, sua presunção e orgulho, por sua infelicidade e falta de amor. Entre as dores que acompanham um verdadeiro apelo, estas são as mais amargas. Quem recebe o apelo da vocação não só recebe um dom e uma ordem, mas também torna-se culpado, assim como o soldado, chamado entre as fileiras de seus camaradas para ser elevado a oficial, tanto mais merece essa elevação quanto mais a paga com um sentimento de culpa ou mesmo de má consciência.



Herman Hesse

O jogo das contas de vidro