Macunaíma e a metrópole



A inteligência do herói estava muito perturbada. Acordou com os berros da bicharia lá em baixo nas ruas, disparando entre as malocas temíveis. E o diacho daquele sagüi-açu que o carregara pro alto do tapiri tamanho em que dormira... Que mundo de bichos! que despropósito de papões roncando, mauaris juruparis sacis e boitatás nos atalhos nas sovacas nas cordas dos morros furados por grotões donde gentama saía muito branquinha branquíssima, decerto a filharada da mandioca!... A inteligência do herói estava muito perturbada. As cunhãs rindo tinham ensinado a ele que o sagüi-açu não era sagüim não, chamava elevador e era uma máquina.

De-manhãzinha ensinaram que todos aqueles piados berros cuquiadas sopros roncos esturros não eram nada disso não, eram cláxons campainhas apitos buzinas e tudo era máquina. As onças-pardas não eram onças-pardas, se chamavam fordes hupmobiles chevrolés dodges mármons e eram máquinas.Os tamanduás os boitatás as inajás de caruatás de fumo em vez eram caminhões bondes autobondes anúncios-luminosos relógios faróis rádios motocicletas telefones gorjetas postes chaminés... Eram máquinas e tudo na cidade era só máquina! O herói aprendendo calado. De vez em quando estremecia. Voltava a ficar imóvel escutando assuntando maquinando numa cisma assombrada. Tomou um respeito cheio de inveja por essa deusa deveras forçuda, Tupã famanado que os filhos da mandioca chamavam de Máquina, mais cantadeira que a Mãe-d'Água, em bulhas de sarapantar.

Então o herói resolveu ir brincar com a Máquina pra ser também imperador dos filhos da mandioca.



Mario de Andrade

Macunaíma