uma arte muito rara



Saber desistir. Abandonar ou não abandonar - esta é muitas vezes a questão para um jogador. A arte de abandonar não é ensinada a ninguém. E está longe de ser rara a situação angustiosa em que devo decidir se há algum sentido em prosseguir jogando. Serei capaz de abandonar nobremente? ou sou daqueles que proseguem teimosamente esperando que aconteça alguma coisa? como, digamos, o próprio fim do mundo? ou seja lá o que for, como minha morte súbita, hipótese que tornaria supérflua minha desistência?



Clarice Lispector

Um sopro de vida - Pulsações


ocupação



o ato de escrever
ocupa metade da minha prosa e metade da minha vida
mando um bilhete pra ele: vê se desocupa
a outra metade


Ana Cristina Cesar

Antigos e Soltos


preocupação



bilhete não respondido: que ameaças
são essas?


Ana Cristina Cesar

Antigos e soltos


desocupação



preciso sair da outra metade para ceder
lugar ao iminente ato de foder.


Ana Cristina Cesar

Antigos e soltos


da adaptação



_ Não é que eu queira parar de escrever - disse Sumire. Ela refletiu por um momento. - É só que, quando tento escrever, não consigo. Sento-me à mesa e não me vem nada: nenhuma idéia, nenhuma palavra, nenhuma cena. Zero. Não muito tempo, eu tinha milhões de coisas sobre o que escrever. O que está acontecendo comigo?

_ Está me preguntando?

Sumire assentiu com um movimento da cabeça.
Bebi um gole do meu chope gelado e organizei os pensamentos.

_ Neste instante, acho que está se posicionando numa nova estrutura ficcional. Está preocupada com isso, portanto não há necessidade de colocar seu sentimentos na escrita. Além disso, anda preocupada demais.

_ Você faz isso? Você se põe dentro de uma estrutura ficcional?

_ Acho que a maior parte das pessoas vive em uma ficção. Eu não sou uma excessão. Pense nisso em termos da engrenagem de um carro. É como um câmbio entre você e a realidade austera da vida. Pega a força de fora, em estado natural, e usa a as marchas para ajustá-la de modo que fique tudo bem sincronizado. É assim que mantém seu corpo frágil intacto. Isso faz algum sentido?


Haruki Murakami

Minhas querida Sputinik

escala decrescente



escancara os membros, sente-se infiel, choraminga, confunde o sor-
riso, corre o risco. Depois fica tudo claríssimo e começa a falar
uma língua est-ranh-a.


Ana Cristina Cesar

Antigos e Soltos


do que cada um ganha com isso



Eu sou uma lutadora por natureza. Tenho uma tendência em lutar, em confrontar meus relacionamentos muito mais frequentemente do que as pessoas se importam. Sempre me falam que eu converso demais. Não é que eu não goste, mas eu habitualmente confronto antes de escapar. Mais do que sair por aí para encher a cara ou me afogar nas lágrimas. Eu me deito e rolo em cima deles. Meus amigo spensaram durante muito tempo que eu fazia isso como uma espécie de masoquismo. E eu comecei a acreditar nisso. Mas neste ponto de minha vida, eu diria que já pagou seus dividendos. Ao confrontar esta coisas e pensar muito sobre elas, tanto quanto minha inteligência limitada me permite, há uma certa riqueza e gratificação que vem junto.



Joni Mitchell

em entrevista a Rollig Stone em julho de 1979